João da
Silva e Meneses, conhecido por Beato Amadeu da Silva (Beato Amadeu
Hispano ou Beato Amadeu Lusitano), era filho de D. Rui Gomes da
Silva, Alcaide-Mor da vila alentejana de Campo Maior e Ouguela e
de
Dona Isabel de Menezes, que era filha de D. Pedro de Menezes que foi
Governador da Praça de Ceuta, nessa altura pertencente à coroa dos reis
de Portugal. Os pais de João pertenciam à primeira nobreza do reino e
estavam ainda aparentados com a família real.
Foi o
quinto de doze irmãos: Pedro, Fernando, Diogo, Afonso, Branca, Guiomar,
Santa Beatriz (fundadora da Ordem da Imaculada Conceição ou Monjas
Concepcionistas), Maria, Leonor, Catarina e Mécia.
Nasceu
por volta de 1429, provavelmente em Campo Maior, onde os pais moravam
nesta data.
Casou
aos dezoito anos com uma donzela, com quem não chegou a coabitar. Pelos
vinte anos, participou da Batalha de Alfarrobeira, em Maio de 1449, onde
foi ferido. Foi depois para o Mosteiro de Santa Maria de Guadalupe, na
Estremadura castelhana, onde ficou alguns anos, entre os monges da Ordem
de São Jerónimo, ocupando-se do ofício de cozinheiro e de outros ofícios
domésticos humildes. Chegou a dirigir-se ao reino de Granada, com o
desejo de sofrer o martírio por Cristo. Foi perseguido pelos mouros
granadinos, tentando depois seguir para África com um mercador que
preparava a sua viagem. Mas regressou a Guadalupe. Ali, segundo os seus
biógrafos, teve a tríplice aparição da Virgem Maria, de São Francisco e
de Santo António, fazendo-o despertar para um nova vocação religiosa: a
de franciscano.
Nas biografias populares, generalizou-se a fantasia da sua paixão pela
infanta dona Leonor, a bela irmã do rei dom Afonso V, futura mulher do
sacro imperador dos romanos, Frederico III da Alemanha, em cujo séquito
teria chegado a Itália, depois de partir de Lisboa, por mar, no dia 11
de Novembro de 1451. Mas, pelo contrário, João de Meneses saiu do
Mosteiro de Santa Maria de Guadalupe, com carta do prior Gonçalo de
Illescas, passada em 11 de Dezembro de 1452, dirigindo-se a Assis. De
passagem pelo Convento de São Francisco de Oviedo, ali recebeu o hábito
franciscano. Passou por Avinhão, Génova e Florença. Os seus milagres
foram conhecidos por toda a Itália, onde tomou o nome de frei Amadeu
Hispano, numa referência bastante lata à Hispânia, a região ibérica da
sua origem. Em Perusa, frei Ângelo, o ministro-geral da Ordem, negou-lhe
audiência.
Em
Assis, não foi recebido pelos frades, que julgaram o seu aspecto
demasiado andrajoso, acusando-o de ser embusteiro. Viveu, então,
aninhado a um canto dos muros do convento, dedicando-se à oração e à
penitência. Sofreu perseguições por três anos, até à visita de frei
Tiago Bussolini de Mozanica, novo ministro-geral, que o recebeu em
profissão. A sua piedade e devoção configuraram a imagem de um santo
vivo, que, apesar do desprezo dos seus, rapidamente granjeou muitos
devotos, atraídos pelos seus inúmeros milagres. A sua fama chegou a uma
sobrinha do papa Nicolau V, que foi uma dos miraculados. As
peregrinações aos muros do Convento irritaram ainda mais os frades, que
conspiraram para se livrarem de tal empecilho. Sofreu, então, muitas
humilhações e dificuldades. Enviaram-no depois a Roma, ao papa Calisto
III, sob influência de alguns frades que viviam na corte, de modo a
obriga-lo a regressar à Península Ibérica.
Descobrindo que iria cair numa cilada, frei Amadeu Hispano pediu a
protecção do ministro provincial, então em Perusa, alcançando letras
comendatícias para o ministro-geral. Em Bréscia, este deu-lhe letras
obediênciais para ir para o Convento de São Francisco da Porta
Varcellina de Milão, situado na actual Praça de Santo Ambrósio.
Acompanhou-o frei Jorge de Valcamonica, que se tornou seu confidente e
que, posteriormente, testemunhou a sua santidade. Neste convento, os
seus milagres e prodígios foram abundantes e, entre os numerosos
devotos, contaram-se Francisco Sforza e sua mulher Branca Maria, duques
de Milão. A duquesa confiou nas suas preces para várias necessidades,
incluindo a concepção de um filho. Frei Amadeu mudou depois para um
outro convento de Milão, buscando maior quietude, com a licença do
Capitulo Geral, presidido pelo ministro-geral frei Tiago Bussolini de
Mozanica, já no Pentecostes de 1457. Também o Convento de São Francisco
de Mariano de Como não lhe deu a almejada paz, por causa da concorrência
dos devotos.
Foi no Convento de São Francisco de Oreno que, desistindo da sua vocação
eremítica, começou a dirigir-se às multidões e chegou a aceitar a
ordenação sacerdotal. A sua primeira missa foi celebrada na festa da
Anunciação, 25 de Março de 1459. Começou, assim, uma intensa actividade
apostólica, recorrendo ao papa, escrevendo a príncipes, servindo de
intermediário entre grandes magnatas. Recordou, quando necessário, o
dever que a uns e a outros competia. Escreveu várias cartas, que hoje se
conservam.
A 15 de
Maio de 1452, teve uma audiência com o duque de Milão, ao que parece
para pedir apoio para fundar um convento. Consta que a duquesa de Milão
alcançara uma bula do papa Pio II para fundar um convento franciscano em
Castiglione, na diocese de Cremona. Passaria a chamar-se Stª Maria de
Castigliori (que mudou depois o titulo para Santa Maria de Guadalupe, por
insistência de frei Amadeu, que era muito devoto de Nossa Senhora de
Guadalupe). A
duquesa conseguiu a doação deste convento a frei Amadeu, no ano
seguinte. Este fez dele o centro da sua actividade de reforma da Ordem
de São Francisco. Fundou mais conventos: São Bernardino de Erbusto e São
Francisco de Iseo, na província de Bréscia, em 1465; Stª Maria da Paz de
Milão, em 1466, também conhecido por Convento de São Tiago e São Filipe
Apóstolos. Ao lançamento da primeira pedra esteve presente o arcebispo
Galeazo Maria Sforza de Milão; o ministro-provincial dos franciscanos e
outras pessoas importantes. Em 1467, fundou o Convento de Stª Maria da
Fonte de Caravaggio. Em seguida, fundou o Convento de Santa Maria das
Graças de Quinzano, com bula de 3 de Novembro de 1468. Depois, fundou o
Convento de Stª Maria das Graças de Antignate, na província de Bérgamo,
diocese de Cremona, em 1468. Por diligência do cardeal Francisco delle
Rovere, futuro papa Sisto IV, obteve do papa Paulo II, a 22 de Abril de
1469, a graça de poder fundar na Lombardia três conventos com a
invocação de Santa Maria, além do de Stª Maria das Graças de Quinzano.
Assim, passou para a sua Custodia o Convento de Stª Maria Anunciada de
Borno, província e diocese de Bréscia, pertencente aos terceiros
franciscanos, o qual o papa Paulo II mandou entregar-lhe por bula de 1
de Agosto de 1469; e o de Stª Maria das Graças de São Secondo, na
província e diocese de Parma.
Eleito
papa com o nome de Sisto IV, o cardeal que o conhecera e que fora também
ministro geral da Ordem de São Francisco, concedeu-lhe, a 24 de Março de
1472, entre outros privilégios, a faculdade de ele e os sucessores
receberem na sua congregação frades conventuais ou quaisquer outros sob
a jurisdição do ministro-geral, que desejassem segui-lo; e aceitar mais
seis conventos, além dos que já possuía. O primeiro seria, ao que
parece, o de Stª Maria da Paz de Castiglione, província de Alessandria e
diocese de Cortona. Seguiram-se os de Lodi, chamado também de Stª Maria
das Graças, na província de Milão; e o de Stª Maria das Graças de
Cremona. A 18 de Junho de 1472, o papa concedeu-lhe o Mosteiro de São
Pedro in Montório, onde, segundo a tradição, São Pedro fora
martirizado. Os monges de São Clemente de Urbe, da Ordem de Santo
Ambrósio, sob o pretexto de que o lugar estava sob a sua jurisdição,
moveram-lhe uma causa. O pontífice defendeu frei Amadeu, confirmando a
doação, a 8 de Março de 1481. A 20 de Junho de 1478, o papa Sisto IV
concedeu a Raimundo Orsini e a sua mulher, senhores de grandes domínios
na diocese de Sabina, faculdade para fundar nos seus territórios um
convento para frei Amadeu e seus discípulos, em atenção aos moradores de
Scandriglia, Monte Librete e Nerula e castelos de Ponticelli e Montório. O
convento foi erguido nos arredores de Ponticelli, dedicado a Stª Maria
das Graças e, em 1479, começou a vida comunitária. Passando por
Piacenza, dirigindo-se a Lombardia, frei Amadeu recebeu também
o Convento de São Bernardino, por doação do terceiro franciscano Tiago
de Guarnis.
Na época em que viveu
frei Amadeu, ainda não havia a separação entre franciscanos observantes
e franciscanos conventuais. No entanto, estes últimos já viviam
separadamente, obedecendo a vigários-gerais confirmados pelo
ministro-geral da Ordem de São Francisco. Frei Amadeu dizia-se apenas da
Ordem de São Francisco. Os papas referiam-no da Observância. A
fundação da congregação de amadeitas dava-o como seu custódio,
fora da sujeição ao vigário-geral. O papa Paulo II, ao conceder-lhe três
conventos, concederia também que, após a sua morte, os seus discípulos
pudessem eleger custódio. Isto é: frei Amadeu era, em vida, uma espécie
de vigário provincial da Observância. Os frades observantes
começaram então a mostrar desagrado para com osamadeitas,
considerando desnecessária a cisão com a Observância. Colocariam em
causa as virtudes de frei Amadeu, movendo-lhe grandes embargos, a
começar pelo Convento de Stª Maria de Bressanoro, que tentaram
arrebatar-lhe, fundamentando-se na bula de concessão, que referia a
Observância. Frei Amadeu contou com a intervenção do cardeal de Bolonha,
que conseguiu demover alguns cardeais defensores dos observantes.
Atacaram de seguida o Convento de Stª Maria da Paz de Milão, que estava
nas proximidades de um convento observante. Frei Amadeu teve de mover
vários apoios políticos e religiosos, junto dos duques de Milão e na
corte pontifícia, para impedir que lhe atrasassem ainda mais a
construção do convento, que ainda decorria. A situação seria excessiva,
ficando documentados os lamentos de frei Amadeu quanto às injúrias que
recebia dos observantes. O papa Paulo II, em 1470, mandou suspender as
obras, por causa da escandalosa discórdia entre os frades amadeitas e
os frades observantes. A reacção dosamadeitas atingiu tal
saturação que um deles chegou a gritar, do alto do púlpito, que o breve
pontifício era falso. O
problema, no fundo, seria que a congregação de conventos de frei Amadeu
em tudo era semelhante à Observância, embora estando fora desta. Para
resolver a questão, o próprio frei Amadeu conseguiria que o papa os
declarasse sujeitos à obediência e jurisdição do ministro-geral e outros
legítimos superiores da Ordem de São Francisco, segundo a Regra, em 23
de Maio de 1470.
Por esta época, fundou também a Confraria de Nª Srª da Paz, de São
Sebastião, de São Roque e São Bernardino, destinada a clérigos e leigos
nobres.
O papa Sisto IV, que
cumulou frei Amadeu de privilégios, motivado pela admiração que lhe
tinha, nomeadamente quanto à congregação dos seus conventos, nomeou-o
seu confessor e secretário particular. Para o ter mais perto de si,
doou-lhe o já referido Convento de São Pedro in Montório, junto
do palácio apostólico, a 18 de Junho de 1472. Segundo frei Mariano de
Florença, biógrafo de frei Amadeu, seria numa caverna deste convento que
recebia revelações do arcanjo São Gabriel. Ali terá ditado o seu livro
Apocalypsis Nova..., que entregaria, à hora da morte aos seus
frades, devendo ficar à guarda do custódio. A obra teve uma grande
divulgação anos depois. Vários
problemas causados pelos observantes em relação a alguns dos seus
conventos levaram a uma batalha final, envolvendo os duques de Milão e,
por fim, o próprio papa, que protegeu os amadeitas.
Finalmente, frei Amadeu desejou fazer uma visita a todos os seus frades
e, ao passar pelo Convento de Stª Maria da Paz de Milão, ali morreu, a
10 de Agosto de 1482. O rei Luís XI de França, a quem chegara a fama do
Beato Amadeu, contribuiu para as despesas do funeral e para um
sepulcro de mármore rodeado por grades.
Sucederam-se quatro séculos de culto ininterrupto, em torno da sua
imagem nimbada, sobre a sepultura. Esta estava numa capela própria, onde
eram colocadas muitas lamparinas e velas, celebrando-se ali todos os
anos a festa do Beato, a 10 de Agosto. A sepultura já não existe,
pois foi destruída durante as Invasões Francesas, embora se saiba onde
estava situada. A sua canonização chegou a ser tentada, segundo alguma
documentação do final do século XVI. (cfr. DOMINGUES DE SOUSA COSTA,
1989,ob. cit., pág. 241)
A
congregação dos amadeitas prosseguiu na Lombardia, no resto de
Itália e em Espanha. Porém, a pressão dos ministros e dos Capítulos
Gerais dos franciscanos, apoiados pelos problemas de alguns dos
conventos, concorreram para que São Carlos Borromeu, cardeal protector
dos amadeitas, impusesse o fim. Os trinta e nove conventos então
existentes foram integrados na Ordem de São Francisco da Observância em
1568, por bula do papa Pio V.
(Veja-se
DOMINGUES DE SOUSA COSTA, 1989, ob. cit. Vejam-se também: SEVESI, Paolo
M., 1911, «B. Amadeo Menez de Sylva dei Fratri Minori.
Fondatore degli Amadeiti (Vita Inedita di Fra Mariano da
Firenze e Documenti Inediti», estratto daLuce e Amore, ano VIII,
fasc. Nº 10, 11 e 12, Florença, Tipografia Domenicana; GALLI, Benedetto,
1923, Il B. Amedeo Menez di Silva. Frate Minore del
SecoIo XV. Biografia PopoIare, Milão,
Quaracchi - Tip. del Colegio S. Bonaventura; DOMINGUES DE SOUSA COSTA,
1985, ob. cit.; e DOMINGUES DE SOUSA COSTA, 196?, ob. cit.)cf. Dr.
José Félix da Silva
http://santosdaarquidiocesedeevora.blogspot.com/2008/08/beato-amadeu-da-silva-reformador.html |